quarta-feira, 12 de março de 2008

A crise internacional pode ser favorável ao Brasil

A crise internacional pode ser favorável ao Brasil

por Alcides Leite Júnior em Valor Online
12/03/2008






Se nas últimas semanas a avalanche de notícias tem deixado perplexos os especialistas em economia internacional, imagine como estão os demais mortais. Qualquer novo indicador econômico que saia nos Estados Unidos faz tremer o mercado financeiro aqui no Brasil. Diante disso, todos se perguntam: os Estados Unidos entrarão em recessão? Se isto ocorrer, qual será o tamanho e a duração dessa recessão? Ela vai contaminar a economia mundial? Em que medida? E o Brasil, sofrerá muito? E, sobretudo: isto nos atingirá pessoalmente?


Parece que o único consenso entre os analistas é de que a raiz do problema se encontra nos Estados Unidos. O excesso de consumo e a baixa quantidade de poupança, impulsionados pela expansão do crédito, geraram um forte desequilíbrio nas contas externas da maior economia do planeta. Durante o qüinqüênio 2002-2006, o Produto Interno Bruto (PIB) americano cresceu 14%, enquanto na Europa e no Japão aumentaram 8%. Tamanha disparidade foi possível graças aos imensos volumes de importação que atenderam ao crescimento do consumo e permitiram manter a inflação em baixa.


Esta situação gerou déficits fiscais e em conta corrente que chegaram a uma média anual de 3,8 % e 5,4 % do PIB. Tais déficits foram financiados pelos países exportadores, que compravam títulos americanos, mantendo-os em reserva. Somente no período mencionado, o volume do déficit em conta corrente americano foi de US$ 3,2 trilhões, mais do que o dobro do tamanho do PIB do Brasil. As reservas da China, principal exportador para os Estados Unidos, passaram de US$ 292 bilhões no final de 2002 para US$ 1,6 trilhão no final de 2006.


Com o aumento dos juros americanos, que passaram de 1,25% no início de 2002 para 5,25% no final de 2006, os custos dos financiamentos subiram e a inadimplência cresceu. O aumento dos preços do petróleo e das principais commodities agrícolas e minerais colocou mais lenha na fogueira. Daí, até o estouro da bolha de crédito, foi só questão de tempo.


Agora, entramos no período de ajuste dos desequilíbrios. O dinamismo e segurança do ambiente de negócios e os altos investimentos em inovação e produtividade nos Estados Unidos nos dão garantias de que a correção chegará a bom termo. Mas dado o porte do problema, isso demanda tempo.


Parte da correção vem dos efeitos da desvalorização do dólar: o encarecimento das importações e o barateamento das exportações nos Estados Unidos, leva a uma redução do déficit comercial. Outra parte vem do aumento dos investimentos estrangeiros nos Estados Unidos: A queda do dólar torna muito atrativos os ativos americanos e parte das enormes reservas acumuladas pelos países emergentes tende a fluir para os Estados Unidos.


Durante o período que durar o processo de correção, os mercados devem ficar mais sensíveis, com medo de que a situação desande. Em 2008, a economia americana sofrerá forte desaquecimento podendo, inclusive, enfrentar um curto período de recessão. Economias como a da China e Índia, grandes exportadores para os Estados Unidos, deverão ter seu processo de crescimento reduzido em torno de dois pontos percentuais. A Europa e o Japão, devido à valorização das moedas locais em relação ao dólar, sofrerão pressão inflacionária e redução nos saldos em conta corrente, com impacto moderado sobre o crescimento do PIB. O Brasil, que exporta bastante para a Ásia, também sofrerá, com recuo do seu crescimento em torno de um ponto percentual.


Mas, para o Brasil, a crise internacional pode ser favorável. Se a economia mundial continuasse acelerada, os altos preços das commodities agrícolas e minerais e a escassez interna de energia poderiam pressionar a inflação a ponto de o Banco Central precisar elevar bastante as taxas de juros. Com menor crescimento econômico mundial, no entanto, esses preços não devem subir, ajudando a manter a inflação próxima da meta. Além disso, ganharemos tempo para que os investimentos feitos ao longo de 2007 possam maturar, ajudando a aumentar a capacidade de oferta no mercado interno.


Para os investimentos em bolsa de valores, a volatilidade deve continuar bastante alta ao longo de 2008. No entanto, o bom desempenho das principais empresas listadas na Bovespa ainda pode garantir rendimentos compensadores aos investidores.


O processo de internacionalização de grandes empresas brasileiras, o anúncio de aumento da produção de petróleo e gás natural pela Petrobras e os bons lucros dos principais bancos tornam o mercado acionário brasileiro bastante atrativo. O fortalecimento do ambiente de negócios, com inflação sob controle, dívida líquida do setor público em relação ao PIB em queda, câmbio estável e juros menores que em anos anteriores, tornam o Brasil menos vulnerável às crises internacionais.


Embora haja risco de turbulência neste período de ajuste da economia mundial, acredito que, para o Brasil, o processo será menos doloroso do que pressupõe a maioria dos analistas econômicos.


Alcides Domingues Leite Júnior, é professor de Mercado Financeiro da Trevisan Escola de Negócios

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