segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Déficit fiscal dos EUA não afugenta os investidores

por Cristiane Perini Lucchesi de Valor Economico
18/08/2008

O déficit fiscal americano vai crescer de US$ 400 bilhões no final deste ano para o recorde histórico de US$ 550 bilhões em 2009, por causa da ajuda do governo aos bancos e de novos pacotes de estímulo ao crescimento da economia. Mas o déficit maior não vai assustar investidores. Pelo contrário: a demanda pelos títulos do Tesouro dos Estados Unidos deve crescer. Afinal, a liquidez internacional terá de ir para algum lugar, com a queda nas bolsas e nos preços dos commodities por causa da recessão - que já começou nos Estados Unidos e dá os primeiros sinais na Europa, Canadá e Japão. A aversão ao risco e a expectativa de que o dólar vai se fortalecer contra as principais moedas ajudam a ampliar ainda mais as compras dos papéis americanos.


Essa é a visão de Brian Fabbri, economista-chefe para a América do Norte do BNP Paribas, que veio ao Brasil para falar aos clientes do banco em palestra hoje. "O déficit fiscal está crescendo, mas eu acho que as pessoas e os bancos dos Estados Unidos vão comprar cada vez mais títulos do Tesouro americano", afirma ele, em entrevista ao Valor na semana passada, por telefone, de Nova York. Os investidores externos, principalmente bancos centrais da Europa, Japão e países emergentes, também vão manter ou ampliar posições. "Por isso, o déficit fiscal pode crescer muito mais sem que as taxas de juros tenham de subir muito", avalia ele.


As maiores necessidades de financiamento público devem manter elevadas as taxas de juros de longo prazo dos títulos do Tesouro americano, estima. Fabbri prevê que os rendimentos dos títulos de vencimento em dez anos deverão passar dos cerca de 4% hoje para 4,40% no final do primeiro trimestre de 2009.


Enquanto isso o Fed, banco central americano, vai manter os juros básicos de curto prazo dos chamados fed funds em 2% pelo menos até o final do primeiro semestre de 2009, de forma a não ampliar a contração no crédito, a recessão e a crise no sistema financeiro dos Estados Unidos.


Por causa disso, as taxas das notas do Tesouro dos EUA de curto prazo vão continuar baixas. Ele acredita que os rendimentos dos papéis de vencimento em três meses devem cair, dos cerca de 2,80% ao ano hoje para 2,25% no final do primeiro trimestre de 2009, ampliando em quase 100 pontos percentuais a diferença entre o curto e o longo prazo. A demanda pelo curto prazo deve ajudar. "Se as pessoas ficam preocupadas com o risco na economia vão comprar os vencimentos mais curtos - notas de três ou seis meses e de dois anos -, derrubando os rendimentos."


A própria expectativa de que o próximo movimento do Fed é de alta nos juros ajuda a tornar maior a inclinação positiva da curva de rendimentos. "O Fed quer ver a curva mais inclinada, pois os bancos podem fazer lucros investindo em títulos do Tesouro americano", afirma ele. "Os bancos hoje não querem emprestar dinheiro para empresas e detentores de moradias, mas poderão querer tomar risco de vencimento e ganhar nos juros", avalia. As instituições financeiras vão tomar recursos no curto prazo e aplicar no longo, conseguindo lucros sem a necessidade de injeção de dinheiro público. "E isso é o melhor dos mundos pela perspectiva do Fed", comenta. "Essa é uma das razões por que eu sempre achei que o Fed não iria subir juros e eu estava certo."


De acordo com ele, todos os bancos na América ou acreditam que a economia dos Estados Unidos já está em recessão ou estará em breve e dessa forma temem mais inadimplência das pessoas físicas e jurídicas, o que traria mais uma fonte de dívida ruim para seus ativos. "Por isso as instituições financeiras estão tão cautelosas com relação a novos empréstimos", diz.


Fabbri conta que desde abril os empréstimos bancários nos EUA começaram a ter crescimento negativo se forem observados os dados mensais comparados com o mês anterior . Segundo ele, os bancos estão restringindo o crédito "de todos os lados para todos os tipos de clientes". O apetite por risco se reduziu de tal forma que só os tomadores de primeiríssima linha estão com acesso ao crédito e mesmo assim têm de pagar mais por isso. "As exigências para novos empréstimos estão no seu pico histórico de todos os tempos."


Segundo Fabbri, "os empréstimos bancários são uma necessidade para prover liquidez para o crescimento econômico". Por isso, argumenta, quando os bancos param de emprestar, há geralmente uma recessão. Ele acredita que esse aperto brutal no crédito "é muito difícil de superar" e vai continuar até que os bancos acreditem que não terão que dar mais baixa contábil em nenhum crédito ruim. "Isso só vai acontecer quando os bancos acreditarem que a economia vai crescer de novo", diz Fabbri.


Na sua visão, a recessão, que começou no início deste ano, vai durar até o primeiro ou segundo semestre de 2009. "Teremos uma recessão muito longa , talvez de seis trimestres", avalia o economista. Para ele, no entanto, como os Estados Unidos estão fazendo um esforço para se livrar de todos os problemas neste ano, "depois de 2009 a América poderá ser um lugar muito atrativo para investidores globais". Os preços dos ativos estarão baixos, os bancos terão alavancagem limitada, os padrões para emprestar serão muito rígidos. Ele acredita em mudanças na regulação do sistema financeiro nos próximos três ou quatro anos e em mais consolidação entre bancos. "Depois de 2009, as instituições financeiras americanas estarão em boa forma para o futuro", avalia.


Neste ano, Fabbri acredita que os bancos ainda têm mais perdas a declarar. "Os bancos na América estão dando baixas contáveis em seus ativos feito loucos", comenta, calculando que até agora foram US$ 490 bilhões. "Na Europa, que tem muitos dos mesmos problemas, os bancos ainda não deram baixas em nada parecido com o que a América fez", avalia. Na sua visão, "a Europa simplesmente não gosta de admitir seus problemas e não gosta de tomar um remédio amargo, o que os Estados Unidos sempre fazem". Por isso, ao olhar para depois de 2009, "as coisas ficarão muito melhor aqui nos Estados Unidos do que na Europa".


Os EUA estão em recessão, na visão de Fabbri, apesar de os números do PIB não confirmarem isso. "O PIB está crescendo, apesar da recessão no mercado interno, porque os Estados Unidos estão vendendo muitos produtos para tantas pessoas por causa de um dólar extremamente barato."
O aumento nas exportações acontece em todo o tipo de produto, diz. "Nós nas Américas não compramos carros feitos nos Estados Unidos, mas em todo o lugar do mundo estão comprando esses produtos", comenta. "As exportações estão explodindo, simplesmente explodindo", frisou, para depois apresentar números. Em bases anuais, o aumento foi de 21%. "É uma porcentagem inimaginável, imprevisível", continua ele, que aposta que o dólar vai se apreciar contra o iene, o euro, o dólar canadense e a libra esterlina até 2009.
Com o crescimento global declinando, a demanda por commodities, inclusive petróleo, vai decair. "Nós temos evidências em todo o mundo que o crescimento está se reduzindo e vai se reduzir ainda mais e isso diz basicamente para mim que a demanda por commodities vai cair nos próximos 6 a 12 meses." Na sua visão, isso não é ruim para os Estados Unidos. "O Fed não terá de se preocupar com a inflação, e os americanos não terão de se preocupar com os preços altos da energia. Isso é provavelmente uma boa coisa", diz.

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