segunda-feira, 5 de maio de 2008

Mesmo se o pior da crise tiver passado, retomada dos EUA pode demorar

by Greg Ip in The Wall Street Journal
por VALOR ONLINE
05/05/2008


O pior da crise financeira pode ter passado, mas as dores econômicas dos Estados Unidos ainda podem estar em seu começo.
O mercado financeiro tem subido desde o início de março. As bolsas subiram, enquanto o rendimento de títulos de dívida de alto risco emitidos por empresas e daqueles lastreados por hipotecas caiu em relação aos seguros títulos do Tesouro americano. O otimismo ganhou força na sexta com um relatório do governo que indicou queda do desemprego em abril.
Mas a história sugere que ainda é cedo para celebrar. É comum numa crise que os mercados se recuperem bem antes da economia. Isso porque os mercados olham para o futuro e porque as fraquezas econômicas são a maneira como os desequilíbrios por trás da crise se corrigem.
"A crise financeira costuma ser uma expressão de problemas mais amplos na economia", diz o economista da Universidade Harvard Kenneth Rogoff, que, junto com Carmen Reinhart, da Universidade de Maryland, escreveu recentemente uma história das crises financeiras que remonta ao século XIV. "É um mecanismo que exacerba e aprofunda a recessão, mas raramente é seu detonador."
A queda da economia causada por uma crise depende muito do nível de discrepância de fatores econômicos subjacentes (como consumo, investimento e valor de ativos) em relação a suas determinantes fundamentais. O crash das bolsas em 1987 e o quase colapso do fundo de hedge Long Term Capital Management em 1998 ameaçaram o coração do sistema financeiro. Mas os desequilíbrios subjacentes ficaram quase restritos ao próprio mercado financeiro: ações altas demais em relação aos lucros em 1987 e excesso de empréstimos tomados por fundos de hedge em 1998. Assim, uma vez que as ações de resgate do Federal Reserve, o banco central dos EUA, mitigaram a ameaça ao sistema financeiro, o estrago econômico ficou limitado.
A crise agora é diferente. Durante vários anos os preços e a construção de residências nos EUA subiram para níveis além dos considerados sustentáveis. Residências tornaram-se garantia de trilhões de dólares em empréstimos. Isso deprimiu a poupança, inflacionou o consumo e alimentou a concessão descuidada de crédito.
Quando os preços de residências parou de subir, os créditos imobiliários mais arriscados começaram a entrar em inadimplência, o que originou a crise. Mas mesmo agora os preços ainda estão acima da maioria das estimativas do que seja sustentável, e a poupança doméstica mal começou a subir. Mesmo se o resgate do banco Bear Stearns em março acabar se provando o ápice da crise, como alguns pensam, a economia americana ainda pode se contrair enquanto consumidores se ajustam à perda de poder aquisitivo e à redução do acesso a crédito.
Os EUA podem ver a Coréia do Sul como exemplo. A crise financeira coreana chegou ao auge em 24 de dezembro de 1997, quando a moeda local, o won, atingiu o nível mais baixo em cinco anos em relação ao dólar. O Fundo Monetário Internacional e o Tesouro dos EUA orquestraram um resgate e convenceram bancos estrangeiros a renegociar seus empréstimos ao país. No ano que se seguiu, o won subiu 63%. Mas a economia afundou na recessão. Em 13 meses a taxa de desemprego subiu de 3% para 7,9%. A economia encolheu 6% em 1998, um choque enorme para um país acostumado a crescer 8%.
A princípio, a Coréia parecia ser um espectador inocente atingido por um desastre que assolou a Ásia. Na verdade, a economia havia se beneficiado por anos pelo excesso de investimento de seus "chaebols", os conglomerados industriais. Eles financiaram grandes investimentos de capital com alto volume de dinheiro emprestado de bancos em condições preferenciais, diz Kihwan Kim, à época um importante funcionário do governo na gestão da crise e hoje assessor do Goldman Sachs. Os bancos por sua vez tomavam dólares emprestado no exterior.
Mas, no começo de 1997, vários chaebols, que vinham perdendo competitividade, começaram a ter dificuldades. Quando os bancos coreanos perderam a capacidade de captar no exterior, muitos quebraram. Os sobreviventes reduziram a concessão de empréstimos. Os chaebols cortaram investimento e demitiram milhares. Muitos entraram em concordata. Demissões e recessão foram um choque para os coreanos, "acostumados a alto crescimento e níveis bem baixos de desemprego", diz Kim.
Ted Truman, acadêmico do Instituto Peterson para Economia Internacional que trabalhou no resgate coreano como membro do Fed, diz que o excesso de crescimento e de financiamento do setor corporativo na Coréia antes da crise é análogo à expansão excessiva do mercado imobiliário e do consumo nos EUA antes da crise atual. Em ambos os casos, a quebra do setor afetado machucou severamente o sistema financeiro. A recuperação da Coréia foi liderada por exportações, que estão agora sendo o alívio dos EUA.
A recuperação da Coréia começou em 1999. Kim diz que o investimento de capital nunca se recuperou totalmente e que o crescimento econômico, embora a saudáveis 4% a 5%, jamais retornou ao ritmo pré-crise. O desemprego é ilusoriamente baixo, diz ele, por causa do desemprego que não entra nas estatísticas, como estudantes que não conseguem arrumar emprego enquanto estão na escola. A lição da Coréia para os EUA, diz Kim, é que "desequilíbrios precisam ser corrigidos". Uma recuperação não requer uma resolução completa dos desequilíbrios, diz, apenas um "sinal convincente de que a mudança está acontecendo".
O risco para os EUA é que a fraqueza vá além da correção do excesso imobiliário e comece a voltar para o sistema financeiro e assim, mais uma vez, afetar a economia. Os coreanos não tomavam muito dinheiro emprestado para o consumo, de modo que a alta do desemprego e o estresse bancário não alimentaram um ao outro.
O presidente do Fed, Ben Bernanke, está ciente desses riscos, e por isso cortou os juros na semana passada e continua de olho na possibilidade de a economia americana se deteriorar ainda mais.

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